Projeto de Lei Nº , de 2003
Do Sr. CARLOS ABICALIL
Estabelece os princípios e as diretrizes dos planos de
carreira para os profissionais da educação básica
pública.
Art. 1º A presente lei estabelece os princípios e as diretrizes para os planos de
carreira dos profissionais da educação básica pública, nas redes de ensino da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Art. 2º São considerados profissionais da educação básica:
I - os professores habilitados para a docência na educação infantil e para os primeiros
anos do ensino fundamental, em nível médio ou superior;
II - os professores habilitados para a docência nos anos finais do ensino fundamental e
para o ensino médio, em cursos de graduação ou pós graduação, com habilitação para
determinadas áreas de conhecimento ou para conjuntos delas;
III - os educadores com cursos de graduação em pedagogia, mestrado e doutorado em
educação, habilitados para funções pedagógicas;
IV - os educadores com habilitação profissional em nível fundamental, médio e superior
para funções de suporte pedagógico e administrativo nas escolas e nos sistemas de
ensino, desde que seu curso tenha incluído um terço da carga horária em formação
pedagógica e trezentas horas de estágio supervisionado.
Parágrafo Único Trabalhadores em educação sem a habilitação exigida para a função,
em exercício da docência ou de funções de suporte pedagógico e administrativo nas
escolas e nos órgãos dos sistemas de ensino, poderão se enquadrar nos planos de
carreira, desde que participem de programas de habilitação profissional na área da
educação.
Art. 3º Todas as esferas de administração pública que ofereçam alguma etapa da
educação básica em quaisquer de suas modalidades devem instituir planos de carreira
para seus profissionais, dentro dos seguintes princípios:
I – reconhecimento da educação básica pública e gratuita como direito de todos e dever
do Estado, que a deve prover com padrão mínimo de qualidade e gestão democrática,
por meio de financiamento público garantido por regime de colaboração entre os entes
federados, e responsabilidade final da União;
II - acesso por concurso público de provas e títulos, adequado ao perfil profissional e
orientado para assegurar a qualidade da ação educativa;
III - prevalência de critérios objetivos e científicos para a movimentação dos
profissionais entre unidades escolares e dentro de cada unidade escolar, observados os
seus direitos e considerados os interesses da aprendizagem dos alunos;
IV - remuneração condigna, com vencimentos iniciais nunca abaixo dos valores
correspondentes ao Piso Salarial Profissional Nacional;
V - progressão salarial na carreira, por incentivos que contemplem experiência e
desempenho, atualização nos conhecimentos e aperfeiçoamento profissional;
VI - jornada de trabalho preferencialmente em tempo integral, de no máximo quarenta
horas semanais, tendo sempre presente uma parte de trabalho coletivo e formação
continuada e, no caso dos docentes, pelo menos trinta por cento da carga horária
dedicadas à preparação do ensino e avaliação da aprendizagem;
VII - incentivo à dedicação exclusiva;
VIII - participação no planejamento, execução e avaliação do projeto políticopedagógico
da escola e da rede de ensino;
IX - gestão democrática da escola e da rede de ensino, por meio de deliberações em
órgãos colegiados e com a condução de dirigentes escolares preferencialmente via
eleição direta pelos profissionais da educação, alunos e pais;
X – regulamentação entre as esferas de administração para a remoção e o
aproveitamento dos profissionais, quando da mudança de residência e da existência de
vagas nas redes de destino, sem prejuízos para os direitos dos servidores no respectivo
quadro funcional.
Art. 4º Na adequação de seus planos de carreira aos dispositivos desta Lei, os
governos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios devem seguir as
seguintes diretrizes:
I - com base em suas propostas curriculares, e na composição dos cargos de suas
carreiras, estabelecer um lotacionograma que inclua o número de vagas por cargo,
região ou município e unidade escolar, a partir do qual se preveja a realização dos
concursos de ingresso, de remoção entre as unidades escolares e de movimentação entre
seus postos de trabalho;
II - expandir a rede de ensino, com a abertura de novas escolas e vagas, de acordo com a
capacidade de atendimento a que se refere o Art. 75 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, sem sacrifício do valor real da remuneração dos profissionais que compõe o
padrão mínimo de qualidade de ensino;
III – ter em vigor legislação própria que regulamente a gestão democrática do sistema,
da rede e das escolas, prevendo as formas de administração colegiada e de condução dos
dirigentes escolares, preferentemente por eleição direta;
IV – realização de concurso público para provimento de cargos sempre que ocorrerem
vagas na rede e com a periodicidade mínima de quatro anos;
V – realização anual de concurso interno de remoção dos profissionais da educação,
anterior aos processos de lotação de profissionais provenientes de outras esferas
administrativas ou das listas de classificados em concursos públicos;
VI – fixação de vencimentos iniciais por jornada integral, com valores nunca inferiores
aos do Piso Salarial Profissional Nacional, diferenciados pelo nível das habilitações a
que se refere o art. 2º e não pela etapa ou modalidade de atuação do profissional;
VII – diferença de no mínimo 20% e no máximo 40%, entre os vencimentos iniciais dos
profissionais habilitados em nível médio e os de nível superior;
VIII – reajuste periódico dos vencimentos iniciais e da remuneração básica da carreira,
de modo a preservar o poder aquisitivo dos educadores, com ganhos adicionais
proporcionais ao crescimento da arrecadação dos tributos vinculados à manutenção e
desenvolvimento do ensino;
IX – incentivo à dedicação exclusiva, de caráter progressivo, partindo de um percentual
nunca inferior a 20% do vencimento básico;
X – não incorporação na remuneração de quaisquer gratificações temporárias,
concedidas por função específica, exercício em horários ou locais especiais,
participação em comissões;
XI – regulamentação específica, por meio de lei de iniciativa do executivo, para a
recepção de profissionais de outras redes públicas, concessão de afastamentos para
aperfeiçoamento e para licenças sabáticas.
§ 1º Os planos de carreira poderão prever a recepção de profissionais de outras redes
públicas por permuta ou cessão temporária, havendo interesse das partes e coincidência
de cargos, ou por acesso pleno, no caso de mudança de residência do profissional e
existência de vagas, na forma de regulamentação específica das esferas de
administração.
§ 2º As redes de ensino instituirão um quadro rotativo de vagas para afastamento de
seus profissionais para efeito de aperfeiçoamento e formação continuada, nunca inferior
a 1% do total de efetivos de cada cargo, prevendo os mecanismos de concessão e prazos
de vigência de modo a promover a qualificação sem ferir os interesses da aprendizagem
dos alunos.
§ 3º Os profissionais da educação básica gozarão do direito de pelo menos três licenças
sabáticas, adquiridas a cada sete anos de exercício na rede de ensino, com duração e
regras de acesso estabelecidas no respectivo plano de carreira.
Art. 5º A todos os profissionais da educação básica se asseguram os direitos
previdenciários previstos na Constituição Federal e, aos professores, a aposentadoria
especial, após 25 anos, se mulher, e 30 anos, se homem, desde que cumpridos no
exercício das funções de magistério definidas em lei.
Parágrafo Único Os planos de carreira especificarão em capítulo próprio as funções de
magistério, os direitos previdenciários e as regras de aposentadoria e de pensões,
incluindo os deveres do Poder Público, os descontos remuneratórios e os benefícios dos
segurados, ficando vedado o uso dos recursos de impostos vinculados à manutenção e
desenvolvimento do ensino para pagamento de proventos dos inativos e pensionistas
oriundos da carreira de educação.
(adaptar ao texto aprovado da Proposta de Emenda à Constituição nº 40)
Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
A questão da valorização social e funcional dos profissionais da educação pública
básica tem sido debatida desde o início do legislativo brasileiro. Já em 1823, por ocasião
da Constituinte do Império, foram calorosos os discursos dos representantes das
Províncias no sentido de propor mais qualificação e melhores salários e condições de
trabalho para os professores primários, como condição básica para a construção da
cultura nacional.
Em 15 de outubro de 1827 publicou-se a lei do ensino, que regulou entre 300$000 e
500$000 anuais os ordenados dos mestres e mestras públicos em todo o território do
Império do Brasil. O Ato Adicional à Constituição, de 1834, viabilizaria o pagamento
destes honorários por meio da destinação de parte do imposto sobre vendas e
consignações com que as Províncias passaram a contar.
A fundação e dos Liceus e das Escolas Normais em todas as capitais das Províncias e a
construção de grandes prédios ensejaram o surgimento de outros profissionais da
educação, encarregados de administrar as secretarias, as bibliotecas e executar os
serviços de conservação de suas instalações.
No contexto de uma oferta reduzida de escolas, mesmo com a criação de cursos
primários na maioria das cidades e vilas do País, todos esses servidores públicos eram
tidos em alta consideração em suas comunidades. Os salários dos professores
secundários era semelhante aos dos juízes. Já os dos professores e professoras primárias
eram substancialmente menores: na realidade, a maioria deles e delas era oriunda das
camadas superiores e médias da sociedade e já dispunham de alguma fonte de
sobrevivência anterior a seu múnus profissional, de modo que o pequeno valor de seus
vencimentos não era determinante de uma desvalorização social ou desqualificação do
trabalho.
No Distrito Federal e nos Estados em que cresceu o número de alunos e professores,
aumentaram também os salários graças ao incremento da arrecadação dos impostos,
propiciado pela urbanização e industrialização.
Uma grande mudança ocorreu a partir de 1950. A migração campo-cidade foi de tal
ordem que, somando-se ao aumento vegetativo das cidades, resultou numa explosão de
matrículas nos cursos primários e nos ginasiais, que forçou a multiplicação do número
de professores. Foram dois os resultados: o primeiro foi a diminuição do valor dos
salários de todos os profissionais da educação, inclusive dos professores secundários; o
segundo foi o recrutamento crescente dos professores entre os habitantes das classes
inferiores. Esses dois fenômenos, associado também à deterioração do processo
formativo, apressaram a desvalorização social dos profissionais da educação básica. O
“magistério valorizado” transferiu-se para o ensino superior.
Não admira que na Constituinte de 1987/88 um dos temas mais debatidos tenha sido o
da re-valorização do magistério, associado ao da re-qualificação do ensino público.
Tanto que se cristalizou no texto da Carta Magna:
Art. 206 O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
..................................................................................................................
V – valorização dos profissionais do ensino, garantindo, na forma da lei,
planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso
exclusivamente por concurso público de provas e títulos, assegurado regime jurídico
único para todas as instituições mantidas pela União;
VII – garantia de padrão de qualidade.
Os planos de carreira e a exigência de concurso público de ingresso, no que tange ao
magistério público, não eram novidade em 1988. A Lei nº 5.692, de 11 de agosto, já
havia determinado a existência dos estatutos do magistério e a celebração de concursos.
Não obstante, por não haver parâmetros legais e por se aprofundar a crise de
financiamento, a desvalorização de todos os profissionais se acentuava a cada ano.
Mesmo a luta incessante das associações dos trabalhadores em educação não
conseguiram reverter os arrochos salariais agravados pelos altos índices de inflação.
O eixo das discussões na Constituinte, que partira da proposta da carreira única, tinha
sido a fixação do Piso Salarial Profissional Nacional. Como se pode ver no art. 206, o
texto aprovado é ambíguo e pode dar azo a uma interpretação de “um Piso Salarial por
carreira” – o que é contradiz o adjetivo “profissional” que lhe é aposto. De qualquer
maneira, sem um esquema de distribuição de encargos e financiamento que propicie a
todos os Estados e Municípios pagar salários dignos aos profissionais da educação, é
inócuo e ineficaz fixar-se um Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN).
Com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394, de
20 de dezembro de 1996 – não somente se asseguraram os direitos da valorização dentro
de planos de carreira, como se propôs um mecanismo de financiamento que poderia
viabilizar o PSPN.
Art. 67 Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da
educação, assegurando-lhes, inclusive, nos termos dos estatutos e dos planos de
carreira do magistério público:
I –ingresso exclusivamente por concurso de provas e títulos;
II- aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento
periódico remunerado para tal fim;
III – piso salarial profissional;
IV – progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação
de desempenho;
V – período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga
de trabalho;
VI – condições adequadas de trabalho.
Art.75 A ação supletiva e redistributiva da União e dos estados será exercida
de modo a corrigir, progressivamente, as disparidades de acesso e garantir o padrão
mínimo de qualidade do ensino.
§ 1º A ação a que se refere este artigo obedecerá a fórmula de domínio público
que inclua a capacidade de atendimento e a medida do esforço fiscal do respectivo
estado, do Distrito Federal ou do Município em favor da manutenção e
desenvolvimento do ensino.
§ 2º A capacidade de atendimento de cada governo será definida pela razão
entre os recursos de uso constitucionalmente obrigatório na manutenção e
desenvolvimento do ensino e o custo anual do aluno relativo ao padrão mínimo de
qualidade.
Com a conjugação destes dispositivos aos dos artigos 69 e 74 da LDB, que disciplinam
os percentuais de impostos vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino
(MDE) e o custo-aluno-qualidade, estariam viabilizados não somente a implantação dos
planos de carreira como a instituição do PSPN, componente básico do “custo mínimo
por aluno, capaz de assegurar ensino de qualidade”.
Havia, entretanto, um complicador: tanto os 18% de impostos da União, como os 25%
dos Estados e Municípios destinados à MDE, podiam ser alocados para despesas com
qualquer etapa ou modalidade da educação pública. Na prática, em 1996, misturavam-se
recursos de MDE para gastos na educação básica e superior, de forma muito
diversificada: em São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, para dar um exemplo, as
universidades estaduais gastavam uma fatia considerável das verbas de MDE; já no
Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Sergipe todos os 25% eram despendidos na
educação básica.
Quatro dias depois da sanção da LDB foi aprovada a Lei nº 9.424/96, que regulamentou
a Emenda Constitucional nº 14/96 – que destinou por dez anos 60% dos recursos de
MDE estaduais e municipais ao ensino fundamental. Esse dispositivo, acoplado ao da
“capacidade de atendimento” do art. 75 da LDB e a destinação pela EC nº 14 de 60%
dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
valorização do Magistério (Fundef) para o pagamento de professores em exercício,
poderia viabilizar os planos de carreira balizados por um PSPN. Prevaleceu outro
critério: o da redistribuição aritmética do Fundef entre cada governo estadual e seus
municípios pelo número de matrículas.
A EC 14/96 e a Lei nº 9.424/96 garantiram também uma suplementação da União,
prometida para os Estados cujos custos-aluno-médios não atingissem a R$ 300,00.
Esses recursos assegurariam, em tese, a implantação de um “salário-médio” que se
considerava suficiente, à época, para valorizar o magistério.
Toda esta armação legal tinha, na origem, duas fragilidades: não garantia o PSPN e se
destinava somente ao ensino fundamental, quando a educação básica já abrangia a
educação infantil, o ensino médio e a educação de jovens e adultos. E, na sua
implantação, revelou outra falácia: o valor mínimo por aluno garantido pela União não
foi cumprido, forçando o salário-médio para baixo exatamente nos Estados que mais
precisavam da suplementação federal para garantir um melhor salário para os
professores.
Outra questão séria é o confinamento da concepção e das políticas de valorização ao
“magistério”, não as estendendo a todos os profissionais da educação.
Com efeito, embora o artigo 206 da Constituição Federal e o título do capítulo da LDB
se refiram a “profissionais da educação”, quando se trata de mecanismos de valorização,
eles se reduzem aos professores ou, então, ao magistério, incluindo neste caso os
pedagogos, ou seja, os denominados “especialistas em educação” na Lei nº 5.692/71.
Ora, as transformações da sociedade fizeram da escola uma agência complexa de
educação, lugar de vários papéis e vários profissionais. Daí a necessidade de
democratizarmos a estrutura profissional do ensino público, dando de vez um estatuto
de igualdade para todos os que de forma permanente têm a escola como local de
trabalho. A habilitação profissional, o ingresso por concurso de provas e títulos e a
melhoria salarial introduzem todos os funcionários de escolas comprometidos com a
educação numa perspectiva de carreira profissional.
O objetivo central do presente projeto de lei é, portanto, valorizar todos os profissionais
da educação por meio da estruturação nacional de suas carreiras: já que não é viável,
embora possível, uma carreira nacional com isonomia salarial e regras unificadas, são
aqui propostos princípios e diretrizes que imprimirão aos planos de carreira no âmbito
federal, estadual e municipal as bases necessárias para a realização profissional dos
educadores e a conseqüente melhoria da qualidade da educação pública, requerida pelas
crianças, adolescentes, jovens e adultos brasileiros.
Sala das Sessões, em de de 2003.
Deputado CARLOS ABICALIL
fonte: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/151218.pdf